OS 
      CASAIS AÇORIANOS 
      DE CUBATÃO - SÃO PAULO - BRASIL
   
  
    Inez Garbuio Peralta
    Universidade de São Paulo
    São Paulo – Brasil
  
  1 – A CAMINHO DO DESTINO: OBSTÁCULOS
    Os colonos egressos das ilhas dos Açores, 
    que se dirigiram para a capitania de São Paulo, tiveram uma trajetória 
    bastante acidentada até chegarem finalmente em suas sesmarias. Os colonos 
    açorianos encaminhados para a capitania de São Paulo viviam 
    desde 1813 no núcleo de colonização, criado por ordem 
    do governo real de D. João em Casa Branca. Dessa Freguesia saíram 
    cinco famílias para irem para Curitiba, contudo decidiram ficar em 
    Cubatão – Santos.
   No núcleo de Casa Branca as famílias deveriam 
    receber terras para cultivar, casa, ferramentas agrícolas e certa quantia 
    em dinheiro para se manterem enquanto as terras não produzissem. O 
    rol dos benefícios que os ilhéus deveriam receber consta das 
    Instruções assinadas pelo Tenente-Coronel do Real Corpo de Engenheiros 
    Daniel Pedro Müller e estão anexadas a Portaria ao senhor Anselmo 
    de Oliveira Leite, Diretor dos Ilhéus da Povoação de 
    Casa Branca, datada de 7 de fevereiro de 1816, do conde de Palma – Governador 
    e Capitão General de São Paulo.
   Nessa portaria Francisco de Assis Mascarenhas afirma que 
    os ilhéus devem conhecer e cumprir suas obrigações e 
    que o Diretor cuide para que não falte aos mesmos socorro algum que 
    lhes tenha sido prometido no Real nome. As doze instruções do 
    Tenente Coronel Daniel Pedro Müller, englobam todos os benefícios 
    oferecidos aos ilhéus. Na 1ª consta que cada casal deverá 
    receber “ 600 braças em quadra pelo menos contanto porém, que 
    cada porção seja habitável, reunindo as propriedades 
    de água, mato de cultura e campo de pastagem...” ( D.I., 1967, v. 90: 
    24).
   A segunda Instrução manda que o Diretor “... 
    nos lugares mais próprios para as moradas ... faça levantar 
    uma casa de palha de 40 palmos de frente e 30 de fundo ...” ( D.I., 1967, 
    v.90: 24). A instrução quinta ordena: “ O Diretor fará 
    a compra do gado e ferramentas, constante da Relação Junta, 
    e mandará igualmente completar os Arados necessários, e fará 
    enfim as distribuições competentes, procurando que tudo seja 
    a contento dos Ilhéus.” ( D.I., 1967, v.90:24). A 7ª instrução 
    afirma: “ Receberá cada cabeça de casal cem réis por 
    dia e além disso mais 40 réis para cada filho entrando neste 
    grau, por seis vezes as famílias dos Ilhéus Manuel Rapozo, Antonio 
    Raposo e José da Costa”. ( D.I., 1967, v.90:24). A oitava instrução 
    isenta os filhos destes colonos de “... Recrutas de Tropas de Licença 
    e Milícias, cuida dos serviços das Ordenanças exigindo-se 
    deles unicamente aplicação a agricultura; e o bem de seus interesses.” 
    ( D.I., 1967, v.90:25).
   Permeia tanto a Portaria ao Diretor dos Ilhéus de 
    Casa Branca, como as instruções do Tenente Coronel Daniel Pedro 
    Müller conselhos e orientações que devem ser dadas aos 
    Ilhéus para que não saiam da povoação sem licença, 
    trabalhem, não se entreguem ao ócio e sejam morigerados, pois 
    resultará “... da conduta contrária o ressentimento do nosso 
    Ilmo. e Exmo. Sr. General que com toda justiça procederá aos 
    castigos de que se fazem dignos os vassalos de S.A.R. inúteis pela 
    sua preguiça e devassidão.” ( D.I, 1967, v. 90: 25). Contudo, 
    as instruções não foram cumpridas com a rapidez que os 
    açorianos desejavam e ainda dada as dificuldades em derrubarem as árvores 
    de “perobas” para poderem plantar, alguns casais, no mês de março 
    de 1816 fugiram do distrito de Casa Branca.
    
    Diante do fato, o Presidente da Capitania de São Paulo, D. Francisco 
    de Assis Mascarenhas, Conde de Palma, aceitou a proposta de Daniel Pedro Müller 
    acolhendo os casais açorianos que desejavam sair de Casa Branca. Na 
    verdade não havia mais condições de alguns casais permanecerem 
    em Casa Branca, após a fuga de cinco deles do distrito para irem à 
    Corte exporem sua situação conforme informou o tenente coronel 
    Daniel Pedro Müller, ao Conde de Palma em 10 de abril de 1816. Esses 
    ilhéus, irredutíveis em seu propósito de mudar de local, 
    estavam “... amparados nas determinações de D. João, 
    de 22 de Janeiro de 1816, que lhes facultava escolher as terras que desejavam 
    para seu estabelecimento.” (Trevisan, 1982:96).
    
    Alguns dias depois, em 20 de abril, o Presidente da Província assina 
    uma portaria ordenando que se preste auxílio a alguns casais de ilhéus. 
    O teor da Portaria é o seguinte: “ Por ser conveniente que se mudem 
    para a vila de Coritiba os Casais de Ilhéus, que estão na freguesia 
    de Casa Branca, cujas cabeças são Manuel Antonio Machado, Antonio 
    Rapozo, Manuel do Conde e Manuel Espínola Bitencurt e sendo do meu 
    agrado e consideração que isso se faça da melhor maneira 
    possível espero que as autoridades civis e militares, a quem esta for 
    apresentada lhe prestem o necessário auxílio para o seu transporte 
    até esta cidade. São Paulo , 20 de abril de 1816. Com a Rubrica 
    de S. Exa.”. (D.I., 1967, v.90:30).
    
    Embora os açorianos reiterassem os pedidos de doação 
    de sesmarias e as reclamações de promessas não cumpridas, 
    eles eram bem quistos e respeitados em Casa Branca. Conforme informação 
    do capelão da Freguesia de Casa Branca, padre Francisco Godoy Coelho, 
    em Ofício ao Governador da Capitania de São Paulo, Conde de 
    Palma, os ilhéus eram bem recebidos e aceitos pela população 
    local que os admirava. 
    
    Escreve o dito Padre Francisco em 20 de fevereiro de 1816: O povo deste sertão, 
    me pede rogue a V. Exa. o seu valimento e patrocínio a fim de que sejam 
    conservados estes ilhéus, nesta terra tão fértil e abundante 
    em razão de se aproveitarem e aprenderem as manufaturas e plantações 
    do linho, vides e mais serviços que desejam aprender, e todos mui contentes 
    ficaríamos com o estabelecimento deles nesta terra ao menos por 4 anos, 
    e neste tempo ficariam os povos com alguma tintura daqueles benefícios 
    e plantações de suas fábricas. Igualmente este sertão 
    não ficaria desacreditado. Sim convidaria para o futuro maior número 
    de ilhéus para se tornarem essas povoações felizes e 
    industriosas e todo este aumento do Estado .( D.I. Caixa 14, ordem 241).
    
    Os ilhéus de Casa Branca deram um novo alento à Freguesia. Em 
    Casa Branca “... as filhas dos ilhéus deixaram fama de grande beleza”. 
    (Trevisan, 1982:76). Contudo, na opinião de algumas autoridades como 
    o Conde de Palma os ilhéus “ eram invejosos e vadios, sem préstimo 
    algum, chegando mesmo a vender o gado e ferramentas para alimento de seus 
    vícios...” (Trevisan, 1982:89). Tal opinião é compartilhada 
    pelo capelão de Casa Branca que na parte inicial da Carta de 1816, 
    enviada ao Conde de Palma faz afirmações desabonadoras de alguns 
    ilhéus. Diz o referido padre que as grosserias dos ilhéus tem 
    na verdade servido de sacrifício à sua paciência.
    
    O padre afirma que “não tem descuidado em instruí-los para que 
    sejam bons cristãos e bons vassalos, lembrando-os das obrigações 
    que lhe são anexas como a fidelidade, o amor, a obediência ao 
    soberano e a subordinação aos seus chefes e governadores.” E 
    ainda que “ não pode ser bom cristão quem não for bom 
    vassalo”. Diz o padre que tentou persuadi-los de se contentarem com o benefício 
    que receberam do Regente e ainda que não desgostassem de S. A. com 
    “ seus orgulhosos procedimentos.” O padre conclui a missiva desiludido. “Nada 
    Sr. Exmo., nada faria àqueles duros corações” Apenas 
    quatro casais ficaram muito satisfeitos e contentes. São eles Jose 
    D Avila Netto, Jozé das Rozas, Jose da Costa e Francisco Cardoso.
    
    “Os demais, cujo cabeça é o ilhéu Mel. Espíndola 
    Bitencourt, dizem que querem ir povoar Santa Cruz, ou Cantagalo, por ser perto 
    do Reino, e decisivamente dizem que daqui nada querem.” Uma série de 
    desencontros, erros cometidos, enganos, injustiças sofridas e promessas 
    não cumpridas levou os ilhéus a se mudarem de Casa Branca. Os 
    casais, com suas famílias, cerca de 26 pessoas foram acompanhados pelo 
    Coronel Engenheiro João da Costa Ferreira para uma nova localidade 
    que lhes agradasse; e temendo fazer nova viagem por mar e “... tendo eles 
    visto alguns terrenos junto ao povoado de Cubatão, manifestaram-se 
    interessados em formar ali suas culturas.” ( Trevisan, 1982:94).
    
    Os terrenos escolhidos pelos ilhéus, orientados por Daniel Pedro Müller, 
    estavam desocupados e parte das terras, cobertas por mata virgem, haviam sido 
    dos jesuítas até 1759, quando estes foram expulsos. Eram ainda 
    terras devolutas e pertenciam à Fazenda Real. O Coronel Engenheiro 
    João da Costa Ferreira, que acompanhara os ilhéus até 
    Cubatão, ao dar conta de sua missão “... e para maior esclarecimento 
    , desenhou um mapa topográfico assinalando as passagens pretendidas.” 
    (Trevisan, 1982:94). O Conde de Palma, ao apresentar à Junta Real da 
    Fazenda o projeto do estabelecimento dos casais de ilhéus nas terras 
    da Fazenda do Cubatão afirma que aquelas terras pertenciam à 
    Coroa.
    
    Diz o referido Conde em 05/07/1816, “ De mais as terras que se pedem não 
    tem benefício algum, são terras brutas sem cultura; a Fazenda 
    Real nenhum interesse tem tirado delas até agora, os terrenos pedidos 
    não obstam a pastagem dos animais que conduzem os gêneros do 
    nosso comércio para Santos, antes o aumento de população 
    naquele ponto é de suma utilidade para o mesmo comércio por 
    muitas, e mais claras razões, que a todos são bem manifestas.” 
    (Trevisan, 1982:95).
    
    Ainda em 1816, por ordem do Conde Palma “ Foram construídas as casas 
    nos respectivos terrenos, para os colonos residirem ... e pagas pela Fazenda 
    Real, ao preço de 82$800.” (Trevisan, 1982:95).
    Esses colonos formavam um grupo significativo composto pelas seguintes famílias 
    Manuel Antônio Machado, casado com Domingas da Conceição 
    com os filhos Manuel e Maria; Manuel do Conde Paes, casado com Joana Francisca 
    da Conceição com os filhos Manuel, Mateus, Maria, Rosa, Joaquina 
    e Teodora; Manuel Espínola de Bitencourt, casado com Maria Antônia 
    de Jesus com os filhos Antônio, Francisco, José, Maria, Rosa 
    e Ana; Manuel Correa de Melo, casado com Maria Josefa e com os filhos Manuel, 
    Domingos, Maria, Mariana e Francisca e Antônio Raposo conhecido também 
    como Manuel Raposo por engano do escrivão que registrou sua carta de 
    sesmaria com o nome de Manuel ao invés de Antônio. Antônio 
    raposo era casado com Ana Maria e tinha quatro filhos: Manuel, Maria, João 
    e José.
    
    Como o tempo passava e o Conde de Palma não deferia os inúmeros 
    requerimentos dos ilhéus pedindo suas cartas de sesmarias estes dirigiram-se 
    em 1817 ao Rei pedindo a Concessão de meia légua em quadra para 
    cada um dos suplicantes. Alegavam, Manuel Antônio Machado e outros que 
    já tinham feito “algumas feitorias e plantações para 
    sustento de suas famílias”, mas precisavam dos títulos “... 
    cada um saber até que limite chega a sua posse e domínio, e 
    até onde podem trabalhar, pois que, não terem os suplicantes 
    títulos, estão sofrendo vexames e prejuízos de uns homens 
    que andam cortando madeiras nas terras onde os suplicantes residem, com o 
    que tem arruinado suas plantações, dizendo eles que as madeiras 
    são para o serviço de S. Majestade” ... “ e não obstante 
    terem os suplicantes requerido ao Exmo. Conde General para que lhes mande 
    passar os seus títulos ou Cartas de Sesmaria, nunca foram deferidos, 
    motivos estes por que alguns dos suplicantes empreenderam vir pessoalmente 
    por si e por todos prostrar-se aos augustos pés de V. Majestade, afim 
    de que lhes faça a graça de mandar passar Carta de Sesmaria 
    de meia légua, em quadra, a cada um dos suplicantes, para não 
    só ficarem com seus títulos, como para saberem o que lhes pertencem 
    e aos seus filhos para não terem embaraços e dúvidas 
    para o futuro com outros sesmeiros...” (Costa e Silva Sobrinho 1957:128-131).
    
    A resposta do Rei foi a ordenação ao Conde de Palma para conceder 
    as cartas de sesmaria aos ilhéus nos sítios em que tivessem 
    suas plantações e a imediata expedição dos respectivos 
    títulos. O governador e capitão general de São Paulo 
    justificando a demora na concessão das sesmarias e revelando seu desagrado 
    a proteção real dada aos ilhéus e ainda irritado com 
    a atitude de independência e altivez dos açorianos envia um Ofício 
    ao Rei em 15/11/1817 fazendo-o ponderar que: “A Fazenda do Cubatão 
    é cortada de um largo Rio, que precisa de Ponte, ou de Barca para se 
    passar, e então é obrigada a dar de um dos lados dele terreno 
    para pastos das tropas de quase toda a capitania, que ali vão embarcar 
    os gêneros do Comercio para a Vila de Santos, e pagar os direitos de 
    passagem: o que fica da Fazenda não é tanto, que sem maior detrimento 
    da mesma Fazenda se possa conceder a cada um dos Suplicantes o determinado 
    terreno mas somente aquele cuja posse lhes for concedida, com bastante conhecimento 
    de causa: porém pela Junta da Fazenda se lhes passarão os títulos 
    de domínio absoluto na forma que requerem logo que S. Majestade assim 
    o determine ampliando a primeira ordem.” (Trevisan, 1982:97). 
    
    Como podemos notar, o Conde de Palma chama atenção do Rei para 
    as dificuldades do terreno para a concessão dos títulos de posse 
    aos sesmeiros. A situação dos ilhéus de Cubatão 
    não se encaminhava para uma solução satisfatória. 
    Eles queriam suas cartas de concessão pois o título era a garantia 
    da posse das terras. Um novo fato provocou a irritação do Rei 
    com relação a esses colonos. O fato se deu pela associação 
    do nome de Miguel Espínola Bitencourt de Curitiba com o de Manuel Espínola 
    Bitencourt de Cubatão. Este e os demais, já acomodados no Cubatão 
    queriam apenas seus títulos definitivos de posse e aumento de pensões 
    enquanto aquele e os demais de Curitiba que ainda não haviam se estabelecido 
    queriam ir para a capitania de São Pedro. A associação 
    dos nomes provocou a confusão e fez com que o Rei acreditasse que todos 
    queriam se mudar novamente. 
    
    Tal acontecimento resultou num Ofício agressivo da Corte encaminhado 
    ao triunvirato que governava interinamente São Paulo, uma vez que o 
    Conde de Palma assumira o governo da Bahia em 19 de novembro de 1817. O Ofício 
    enviado por Thomas Antônio de Villa-nova Portugal à Junta Governativa 
    de São Paulo, em 02/06/1818 revela uma grande irritação 
    para com os ilhéus. “ Illmo. e Exmos. Srs. Foram presentes a El Rey 
    Nosso senhor os Ofícios números 26 e 27 de 15 de novembro do 
    ano passado, que o Conde de Palma me dirigiu, sendo Governador e Capitão 
    General desta Capitania, relativamente á mudança de terreno 
    e prorrogação da Pensão por mais dois anos com o aumento 
    de três vinténs diários, que requererão Miguel 
    Espínola Bitencourt, Manoel Antonio Machado e outros colonos vindos 
    das Ilhas dos açores: E verificando-se na Augusta Presença do 
    mesmo Senhor pelos referidos Ofícios, e pelo que também expôs 
    o Intendente Geral da Polícia sobre estas pertenções, 
    que os suplicantes não tem correspondido com os fins para que foram 
    mandados vir das Ilhas, e se colocaram nessa Capitania a custa de grandes 
    despesas, que com eles se tem feito, pois que entregando-se á ociosidade, 
    não tem cuidado da Lavoura das Terras, que lhes foram concedidas e 
    inutilizarão as sementes, os auxílios de gados, e até 
    venderão os Instrumentos aratórios que se lhe distribuirão: 
    tendo também, por condescendência do sobredito Conde Governador, 
    e com despesa dele, sido mudados da primeira sesmaria, que tiveram na Freguesia 
    de Casa Branca, que pela sua situação na Estrada Geral dessa 
    capitania para Minas e Goyazes, e pela fertilidade do seu terreno lhe poderia 
    ser mais vantajosa, se quisessem trabalhar; e não se contentando ainda 
    com as que atualmente tem na Fazenda e Terras do Cubatão de Santos, 
    que foram dos extintos Jesuítas, e na de Santa Anna, que lhes podem 
    também ser mui proveitosas até pela proximidade dessa Cidade 
    e daquela Villa, mostram bem que a nova pertenção da mudança 
    do Terreno nasce do gênio volúvel deles, e a da prorrogação 
    da Pensão tem por fim contarem com hum meio para poderem continuar 
    na ociosidade, e fazerem independente do trabalho a sua subsistência: 
    Não se dignou sua Majestade Deferir-lhes, e Revogando as ordens expedidas 
    por Aviso de 21 de outubro do ano dito passado a favor dos suplicantes, é 
    servido que eles se conservem aonde ultimamente se estabelecerão, que 
    esse Governo lhes dê os seus Títulos gratuitamente, e lhes ponha 
    um Inspetor que os faça conter na ordem, sujeição e trabalho 
    das suas Lavouras; e quando assim o não pratiquem, ,larguem as Terras 
    e vão para onde quiserem, com tanto que não emigrem fora deste 
    Reino. O que participo a V. Exa. e Mces. para assim o tenham entendido, e 
    façam executar.
   Deos Guarde a V. Exa. e Mces. Palacio do Rio de Janeiro 
    em 2 de junho de 1818. – Thomaz Antônio de Villa-nova Portugal – Sr. 
    Bispo e mais Governadores Interinos de São Paulo. A demarcação 
    oficial dos limites dos terrenos de cada família só foi feita 
    em 1820. Embora esses açorianos tenham recebido as Cartas de Sesmaria 
    em 1819 (07/01), tomaram posse interinamente das mesmas, sem domínio, 
    em 1816. (Ata da Junta da Real Fazenda, São Paulo, 5 de Julho de 1816). 
    Manuel Antônio Machado recebeu 400 braças de terra, cujo início 
    era no cruzamento do caminho da serra com a estrada de Cubatão e chegava 
    até o morro que ficava à margem da mesma estrada. Divisavam 
    suas terras ao norte com a estrada de Cubatão; ao sul , com o citado 
    morro que ia até o rio; a leste com as escarpas desse morro que deitavam 
    para oeste, com a picada que ia de norte a sul, isto é, da encruzilhada 
    até o rio Cubatão.
    
    Manuel do Conde Paes recebeu 46 braças de frente, com o início 
    junto a povoação de Cubatão rio abaixo; iam até 
    a foz do riacho Cafezal. Divisavam a leste, com o mesmo riacho até 
    a forquilha; ao norte com o braço da forquilha, que corria para oeste; 
    ao sul com o rio Cubatão e a oeste com os morros que iam dar no rio 
    Cubatão. Embora menor que as outras sua gleba possuía a vantagem 
    de ter casa próxima à povoação. Possuía 
    outra mais distante mas logo abandonada. Manuel Espínola Bittencourt 
    recebeu terras com 190 braças de frente, iniciando junto ao riacho 
    Cafezal, indo até a foz do Perequê. Limitava-se ao leste com 
    o rio Perequê; ao norte com a Serra Geral; ao sul com o rio Cubatão; 
    a oeste com o riacho Cafezal, seguindo até as terras de Manuel Conde. 
    Antônio (Manuel) Raposo recebeu 400 braças. A picada aberta para 
    delimitar as terras de Manuel Espínola servia para extremar as de Antônio 
    Raposo, em direção oeste. Como não podia fazer frente 
    pra o rio Cubatão, devido aos charcos ali existentes, fôra colocado 
    no Perequê um marco para divisório. Deste marco saia uma linha 
    reta de 400 braças, no fim das quais saía outra, da Serra Geral 
    até a beira do rio Cubatão.
    
    Manuel Correa ficou com 400 braças frente ao rio Cubatão acima 
    do povoado contada a partir da região chamada “Cortumes”, em direção 
    rio abaixo: do extremo dessa linha seguiam duas outras rumo norte e sul que 
    chegavam até os contrafortes da serra. Em todos os pontos demarcados 
    foram colocados marcos pela Fazenda Real (Costa e Silva , 1957:134-135). No 
    mapa em anexo (p. 10), de 1852, encontram-se assinalados os nomes dos sesmeiros 
    e o local dos respectivos sítios. Esperavam os ilhéus receber 
    ajuda para sobreviverem até que as terras começassem a produzir. 
    Contudo a ajuda oferecida pelo governo não chegou. Os colonos não 
    tiveram auxílio para vencer as dificuldades. Tentaram a cultura de 
    trigo e linho mas não conseguiram ter sucesso. Plantaram café, 
    arroz, cana de açúcar, mandioca “... e as árvores de 
    espinho com sucesso. Pois estas se desenvolveram vigorosamente e com melhores 
    resultados.
    
    Dois dos produtos cultivados pelos ilhéus estavam em alta nessa época, 
    o café que na primeira metade do século XIX, estava se desenvolvendo 
    bem no Brasil, e o açúcar produzido no quadrilátero açucareiro 
    que já ultrapassava 400 arrobas anuais. Em 1826 passou pela Barreira 
    do Cubatão de Santos 154.166 arrobas de açúcar e 8.831 
    arrobas de café; em 1828 foram 489.650 arrobas de açúcar 
    e 22.640 de café. (Peralta,1971:68). Em 1833 graças ao movimento 
    comercial, entre outras razões, bem como a produção agrícola 
    local Cubatão foi elevado à município. (Peralta,1973: 
    71). Contudo o município não chegou a ser instalado. A povoação 
    de Cubatão foi em 1841 incorporada à cidade de Santos.
    
  
  2 – A POSSE DAS TERRAS : DIFICULDADES SUPERADAS
    
    Cubatão, a povoação para qual dirigiram-se cinco casais, 
    - os chamados cinco manuéis na primeira metade do século XIX, 
    era um pequeno povoado. Sua população vivia da venda de fumo 
    e de aguardente, além de explorar a navegação das barcas. 
    O porto de Cubatão contudo era bastante movimentado. Localizado no 
    continente recebia e/ou remetia para Santos, os produtos do exterior e ou 
    do interior de São Paulo.
    
    A população de Cubatão em 1813 era de aproximadamente 
    100 pessoas, num total de vinte e três (23) famílias, das quais 
    onze vivia do comércio (Peralta, 1971:31). Os viajantes que ali estiveram, 
    no século XIX, atestam o movimento do porto. Gustavo Beyer que passou 
    por Cubatão em 1813 afirma que presenciara no local “... uma centena 
    de mulas para serem arreadas e carregadas com as mercadorias que em canoas 
    chegavam de Santos.” (Peralta, 1971:31). Beyer afirma ainda que “ Defronte 
    da casa do guarda, ... (havia um) grande espaço plano, cujos lados 
    são ocupados por armazéns e outras casas...” (Beyer, 1908:24).
    
    O posto alfandegário de Cubatão centralizava a vida da população 
    local. Havia no povoado ranchos para tropeiros e estalagem de pedra. (Peralta,1973: 
    23). Hercules Florence, ao passar por Cubatão em 1825 afirmou encontrar-se 
    ali um ponto de comércio bastante desenvolvido. Diz o referido viajante:
    “Via diariamente chegar três a quatro tropas de animais e outras tantas 
    partiam. Cada tropa compõe-se de 40 e 80 bestas de carga ... As tropas, 
    ao descerem de São Paulo vem carregadas de açúcar bruto, 
    toucinho e aguardente de cana e voltavam levando sal, vinhos portugueses, 
    fardos de mercadorias, vidros, ferragens, etc...” (Florence, s/d). Um outro 
    viajante, Daniel Parish Kidder escreveu em 1839 “os animais descem a serra 
    carregados de açúcar e outros produtos agrícolas, trazendo 
    em sua volta, sal, farinha e toda a espécie de artigos importados...” 
    (Kidder,1940:168).
    
    Cubatão, portanto, não era à chegada dos casais açorianos 
    uma região de intensa prática agrícola. A tônica 
    dos viajantes é sempre colocada na atividade comercial. Em 1825/26 
    passava pelo posto alfandegário do Cubatão de Santos de 500 
    à 550.000 arrobas de açúcar por ano. (Peralta,1973: 23)
    Florence, “presenciando a atividade de Cubatão afirma que conheceu 
    quanto é freqüentado, embora fosse um núcleo de 20 e 30 
    casas mal construídas.” Conclue o autor “... é o entreposto 
    entre São Paulo e Santos” (Florence s/d).
    
    Em 1825, existia no Cubatão Geral de Santos, os seguintes prédios: 
    08 no cais novo (todos de paisano); 11 na Praça (1 de Sargento mor, 
    2 de pardos, 1 de alferes, 7 de paisanos); 8 em frente da estrada (4 de paisanos, 
    1 de capitão mor, 2 de pretos forros, 1 de alferes); 1 no rio da Pedra 
    - pertencente a paisanos; 05 no Rio Aborino (SIC) (1 de preto forro, 1 de 
    capitão, 2 de paisanos, 1 de preto); 4 áreas pertencentes a 
    paisanos; 1 além do Rio pertencente a um preto. = 38 (Peralta, 1973:24).
    
    É ainda de H. Florence a informação que o clima não 
    era e nunca seria totalmente salubre e que a região poderia tornar-se 
    muito comercial. Nesse entreposto comercial foram viver os cinco casais açorianos 
    em 1816. Os ilhéus logo começaram a fazer benfeitorias em suas 
    terras e iniciar as plantações. Desses colonos os que melhor 
    proveito tiraram foram Manuel Antônio Machado e Manuel Espínola 
    Bitencourt. Wendel afirma em seu texto Caminhos Antigos nas Terras de Santos 
    que: “ O engenho velho e o aqueduto de alvenaria com 200 metros de comprimento 
    de Manuel Machado, cujas terras começavam nas proximidades do Cruzeiro 
    atual, são ruínas históricas de Cubatão” (Wendel,1966: 
    219).
    
    Manuel Espínola Bitencourt, colono açoriano, sesmeiro de Cubatão, 
    descendente da família Espínola de Gênova emigrados para 
    os Açores, ... , era em 1830, um dos três homens mais ricos do 
    Cubatão. No recenseamento de 1836, quando trata de Cubatão, 
    aparece Manuel Espínola com 77 anos de idade, branco, livre, naturalizado, 
    casado, agricultor com sítio próprio e com 600$000 de renda. 
    E ainda que vive de sua lavoura e colhe 400 alqueires de arroz. Apenas duas 
    pessoas possuíam renda igual a de Espínola. O sargento reformado 
    João Vicente Pereira Rangel, empregado na Barreira e José Joaquim 
    da Luz sargento-mor, inspetor das obras da estrada (Costa e Silva Sobrinho 
    1957:136).
    
    Com certeza esses colonos passaram por dificuldades de várias origens. 
    As terras de Manuel Espínola Bitencourt foram em 1837, vinte anos depois 
    dele ali residir, invadidas por posseiros obrigando seu proprietário 
    a requerer nova demarcação de sua sesmaria. Em 25 de novembro 
    de 1837 foram colocados marcos de pedra nas divisas da sesmaria de Espínola, 
    “... gravados com uma cruz baseada em duas hastes formando um delta; seu desenho 
    encontra-se nos autos da referida demarcação.” (Trevisan, 1982:102)
    
    No ano seguinte o Presidente da Província de São Paulo manda 
    proceder a uma inspeção nas terras pertencentes aos açorianos 
    de Cubatão. Em 28 de fevereiro de 1838, o capitão José 
    Marcelino do Amaral, cumprindo a Portaria de 09 de fevereiro do mesmo ano, 
    do presidente da Província de São Paulo, Brigadeiro Bernardo 
    José Pinto Gavião Peixoto, que o mandava ir a Cubatão 
    para “ fazer os exames necessários nas terras e matas que foram conferidas 
    aos colonos vindos da ilha dos Açores ” dá a seguinte informação: 
    
    
    “... os colonos Manoel Antônio, Manoel de Espíndola Bitencourt, 
    edificaram casas , n’ elas estão residindo e tem cultivado os terrenos 
    em partes, mas não com arado; Manoel Correa existe com vida, mas não 
    tem cultivado as terras que lhes foi dado, por isso que se acha em abandono; 
    Manoel do Conde tendo-se ausentado muitos anos, os terrenos que lhes foi dado 
    achando-se portanto em abandono, chama-se a posse deles Antônio José 
    Machado, filho do dito Espíndola sem que tenha título algum; 
    Manoel Raposo tendo-se também ausentado a anos e achando-se as terras 
    em abandono, chama-se a posse delas José de Sigra. (Siqueira?), genro 
    do sobredito Espindola igualmente sem título algum.”
    
    Após descrever a situação produtiva das sesmarias de 
    alguns colonos açorianos de Cubatão mais de vinte anos após 
    a ocupação das terras, o representante do Presidente da Província 
    de São Paulo informa sobre as condições das matas (paus) 
    da região, uma das preocupações das autoridades, no século 
    XIX. Diz o referido autor do Ofício “ Quanto aos paus Reais de construção 
    ... tendo corrido as matas pertencentes aos mencionados colonos, toda ela 
    ... (donde se acha inteiramente desfalcada se deduz) que... eles não 
    tem respeitado a proibição de cortarem os ditos paus. O Ofício 
    vem datado de Cubatão 28 de fevereiro de 1838, endereçado ao 
    Brigadeiro Bernardo José Pinto Gavião Peixoto.
    Os Espínola e os Machado, ambos da ilha Graciosa continuaram em Cubatão. 
    Manuel Espínola faleceu de idade bastante avançada em seu velho 
    casarão no sítio em 10 de abril de 1845. Tinha se casado duas 
    vezes. A primeira com Catarina de Santo Antônio e a segunda com Maria 
    Antonia de Jesus. Esta faleceu um mês após a morte de seu esposo. 
    
    
    Os sucessores de Manuel Espínola venderam o sítio para o alferes 
    Francisco Martins Bonilha, no mesmo ano de 1845. A descrição 
    da propriedade revela o que nela existia. Diz o contrato “ a parte que a cada 
    um tocar no sítio e terras da finada Maria Antonia de Jesus (viúva 
    de Manoel Espínola), avó deles, o qual é denominado Cafezal, 
    situado no Cubatão, com casas de morada, terras lavradias e pastos 
    de aluguel, cujo sítio tem as divisas que constam da carta de data 
    ou sesmaria concedida a seu finado avô Manuel Espínola Bitencourt, 
    como colono do Brasil por el Rei D. João VI...” (Costa e Silva Sobrinho, 
    1957:136).
    
    Manuel Antonio Machado que viera para o Brasil em 1814, com 25 anos era casado 
    com Domingas de 20 anos, ambos naturais da ilha Graciosa. Possuíam 
    apenas um filho Manuel Antonio Machado Júnior com 5 anos, natural da 
    ilha Terceira; no Brasil tiveram nove filhos. O primogênito Manuel Antonio 
    Machado Júnior, morador de Cubatão, “ arrematou em praça 
    pública desta cidade, no dia 9 de julho de 1856 um sítio e terras 
    citas no lugar denominado Casqueiro, na Estrada que segue para São 
    Paulo...” (Costa e Silva Sobrinho,1957:127).
    
    A agricultura iniciada pelos açorianos nos primórdios do século 
    XIX será um suporte econômico de Cubatão quando este perde 
    sua função alfandegária com a extinção 
    da Barreira em 1866, devido a construção da ferrovia que desloca 
    o comércio do povoado de Cubatão. Até a extinção 
    da Barreira Fiscal com seu rancho grande onde os tropeiros descarregavam seus 
    animais e pagavam as tachas manteve-se o comércio e o movimento da 
    povoação de Cubatão. Com a implantação 
    da ferrovia em 1867 o povoado vai pouco a pouco decaindo. Os sítios 
    e as pequenas fazendas, cuja produção, composta de bananas, 
    tangerinas, canas, pinga e rapadura era negociada com os tropeiros de passagem 
    para Santos ou para o Planalto foram, aos poucos, decaindo e desaparecendo.
    
    Os herdeiros do sesmeiro Manuel Antonio Machado passaram a residir em Santos 
    e até nossos dias encontramos naquela cidade descendentes deste açoriano
  
    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
    Beyer, Gustavo (1908) Ligeiras Notas de Viagem do Rio de Janeiro 
    à Capitania de São Paulo, no Brasil, no verão de 1813, 
    com algumas notícias sobre a cidade da Bahia e a Ilha Tristão 
    da Cunha, entre o Cabo e o Brasil e que há pouco foi ocupada. Rev. 
    do IHG. São Paulo, vol. XII, Tip. do Diário Oficial, São 
    Paulo.
    Costa e Silva Sobrinho, José da (1957) Romagem pela terra dos Andradas. 
    Rio de Janeiro: Freitas Bastos.
    Florence, Hercules (s/ data) Viagem Fluvial do Tietê ao Amazonas de 
    1825 a 1829. São Paulo: Melhoramentos.
    Kidder, Daniel P. (1940) Reminiscência de viagens e permanência 
    no Brasil (Rio de Janeiro e Província de São Paulo) São 
    Paulo: Martins.
    Peralta, Inez G. (1973) O caminho do mar – subsídios para a história 
    de Cubatão. S.P.:Prefeitura Municipal de Cubatão.
    Peralta, Inez G. (1971) O caminho do mar como fator de localização, 
    progresso e decadência de Cubatão – subsídios para a história 
    de São Paulo, Dissertação de Mestrado. USP-FFLCH São 
    Paulo.
    São Paulo - Secretaria de Educação – Departamento do 
    Arquivo do Estado de São Paulo (1967) Documentos Interessantes para 
    a História e Costumes de São Paulo. Ofícios e Bandos 
    do capitão general Francisco de Assis Mascarenhas, Conde de Palma, 
    aos funcionários da capitania no período de 1814 à 1817. 
    vol. 90. São Paulo.
    São Paulo - Divisão de Arquivo do Estado. Oficio do Conde de 
    Palma à Junta da Real Fazenda. São Paulo, 28 de junho de 1816. 
    Ms. Inéditos.Caixa 15, ordem 242.
    São Paulo – Divisão de Arquivo do Estado. Ofício do sargento-mor 
    José Garcia ao governador da capitania – Engenho da Graça ( 
    Casa Branca ) 8 de julho de 1819. Ms. Inéd. Caixa 87, ordem 333.
    São Paulo – Divisão de Arquivo do Estado. Carta de Francisco 
    Godoy Coelho, capelão de Casa Branca ao conde general Francisco de 
    Assis Mascarenhas de 20 de fevereiro de 1816. Caixa 14, ordem 241.
    São Paulo – Divisão de Arquivo do Estado. Maços de população 
    de Santos (1830) Ms. Inéd. Microfilme 176.
    São Paulo – Departamento do Arquivo do Estado. (1838) Oficio do capitão 
    José Marcelino do Amaral ao brigadeiro Bernardo José Pinto Gavião 
    Peixoto, Presidente da Província. Cubatão, 28 de fevereiro de 
    1838.
    Trevisan, Amélia F.(1982) Casa Branca a povoação de ilhéus. 
    São Paulo: Edições Arquivo do Estado. (Coleção 
    Monografias 4).
    Wendel, Guilherme (1966) Caminhos Antigos na Serra de Santos. Revista do Instituto 
    Histórico e Geográfico de Santos. Santos. vol. 2
   
  
   Mapa de Cubatão 
    – São Paulo em 1852 (Costa e Silva Sobrinho, 1957:137)